Entendo, tem que voltar, o compromisso chama, né? Mas ainda dá para se divertir no caminho. Se está retornado para o litoral, que tal usar trechos da antiga estrada Lages-Estreito, aberta no começo do século passado e carregada de histórias em seus trajetos?
Alfredo Wagner está bem no meio do caminho entre Lages e Florianópolis. Lages, por séculos, fez parte do estado de São Paulo. Apenas em 1820 tornou-se o quarto município do estado de Santa Catarina. Naquela época, quem partia do planalto para chegar na capital, ainda Desterro, precisava de dias em lombo de burro transitando por uma trilha que veio a se tornar a estrada, aberta a coisa de uns 100 anos. Barracão ficava bem no meio do caminho.
Barracão é como era chamado o lugar onde hoje estamos, Alfredo Wagner. Apenas em dezembro de 1961 é que Barracão deixou de fazer parte de Bom Retiro, virou município e trocou de nome. Mas como já somos íntimos, pode chamar apenas de “Alfredo”.
Aqui em Alfredo tem um bairro chamado Barracão. É onde está a Igreja Matriz, junto ao trevo. E era ali mesmo que ficava o barracão que era utilizado pelos viajantes, a maioria comerciantes e tropeiros, que vinham da Serra, do Alto Vale do Itajaí, dos lados de Anitápolis ou do litoral, e faziam “pouso” no barracão. Descansavam, comiam e davam de comer e beber para os animais que lhes levavam ou para aqueles que eles levavam em tropa.
Quando iam para o litoral usavam boa parte do caminho que você também pode curtir para voltar para casa.
De Cruzeiro à Taquaras.
Quebra Dente é o nome de uma serrinha no final da estrada que começa em Cruzeiro e termina junto ao acesso secundário da comunidade de São Leonardo. Hoje qualquer carro sobe, com sol ou com chuva. Mas não era assim quando o lugar recebeu o nome.
A estrada, em tempos idos, não passava de um caminho, pouco mais do que uma trilha usada por quem precisava vencer as distâncias entre Barracão, hoje Alfredo, e a Capital. E os comerciantes e tropeiros precisavam. A subida era tão complexa que em dias de chuva forte, com o terreno completamente liso, as mulas de carga precisavam ser puxadas e empurradas. Quando escorregavam, muitas vezes batiam com o queixo no chão. Vem daí o nome “Quebra Dente”. Mas não se preocupe. Hoje é um passeio muito legal e sem o menor risco.
Saindo do trevo de Alfredo em direção ao litoral, conte exatos cinco quilômetros pelo asfalto. Neste ponto, à sua frente estará a ponte em curva e, à sua esquerda, a lanchonete Cruzeiro, uma casinha azul, de madeira. Você entrará à direita. Aqui começa a Estrada do Rio Adaga. Daqui até voltar à BR serão 14 km pela “estrada velha”, passando por pequenas propriedades rurais e paisagens deslumbrantes, sempre tendo o Rio Adaga como companheiro de jornada ao seu lado esquerdo.
Precisa de atenção apenas após ter rodado uns 4,5 km. Ali tem dois acessos à esquerda. O primeiro é uma descida que leva para uma ponte baixa, quase grudada no leito do rio, que te devolve para a BR 282. Passe direto por este e use segundo, poucos metros adiante, que ele vai te levar até o final desta linda estrada.
Ande devagar, curtindo cada curva do rio, cada árvore inserida na pastagem, cada casinha. Assim não vai passar sem ver pela velha roda d’água. Rende boas fotos.
Interessante notar que a estrada é praticamente plana, mas que do outro lado do rio a BR 282 vai ganhando altura na encosta. A pequena vila na comunidade de São Leonardo, bem no pé da Serra do Quebra Dente, guarda algumas preciosidades. Para devotos, ali tem a Gruta de Nossa Senhora de Fátima. Para que admira a história, a grande casa de madeira na beira da estrada já foi um importante hotel, ponto de parada dos viajantes de demandavam serra-acima ou serra-abaixo. Não perca a chance de uma selfie no orelhão.
A subida é linda. Uma dúzia de curvas em um aclive de 120 metros e de onde se descortina todo o vale do Rio Adaga e a simpática São Leonardo.
Com muito cuidado, entre no asfalto e siga à direita por mais 3,7 km. Também com bastante cuidado, cruze a rodovia e entre na estrada que leva para Leoberto Leal, bem no km 83 da BR 282. No primeiro entroncamento, apenas 1,1 km adiante, pegue a estrada à direita. O deslumbramento começa já na primeira curva, com todo o vale de Mato Francês ao alcance da vista. A estrada de terra é boa, a paisagem é de encher os olhos e há muita estufa de morango margeando o caminho. Se estiver com tempo, vale uma parada do Bar da Amizade, uma “venda” em frente a cerca branca que se destaca em meio ao verde exuberante do lugar. A conversa sempre é boa e repleta de histórias.
Antes de chegar no final da estrada, em Taquaras, com sorte, dá para visitar a cervejaria Unika, que fica no alto de uma colina, perto de um conjunto de casas que testemunham os diversos momentos e origens das ocupações do lugar.
Para voltar para o litoral, tome à esquerda quando chegar em Taquaras. Poucos metros adiante está uma joia: o posto de gasolina Teófilo Shutz, da década de 1930, que guarda as características da arquitetura da época de sua instalação, quando era ali a estrada que levava para o Planalto. Não passe batido. Faça pelo menos uma bela selfie.
Na sequência, à esquerda, está a Casa do Governador, construída por Hercílio Luz na década de 1920 e que servia como casa de campo quando ele buscava ares mais saudáveis para tentar tratar da sua saúde já debilitada. Boa parte da estrada daqui para frente é sobre asfalto, em Rio Bonito. O nome faz jus ao caminho. É lindo demais. Mais adiante, logo após uma ponte, escolha entre seguir em frente, via Morro Redondo e chegar no centro de Rancho Queimado, ou pegar a estrada de terra, à direita, para voltar para a BR 282, no pé da Serra da Boa Vista.
Boa viagem, volte logo!
Textos e Fotos: Tarcísio Mattos
Jornalista, agricultor orgânico e pousadeiro no Vale do Rio das Águas Frias.